26.2.09

Por falar em crossover...


Dá para imaginar Mark Twain e Jules Verne se encontrando nos EUA com versões vitorianas dos Transformers?! Sim, os dois escritores do século XIX e outros vultos históricos da época foram os convidados de uma recente minissérie daqueles robôs multimídia chamada Hearts of Steel. A aventura faz parte de uma linha de histórias que leva o nome de Transformers Evolution, um conceito semelhante ao dos Elseworlds (conhecidos como Túnel do Tempo, no Brasil) da DC Comics, no qual personagens são deslocados no espaço e no tempo.

O atrativo aqui, além dos encontros inusitados de personalidades reais e fictícias, é ter a chance de conferir os robozões se transformando em objetos diferentes dos costumeiros automóveis e jatos de guerra da cronologia oficial. No gibi em questão, como seria de se esperar, as camuflagens adotadas são de locomotivas, dirigíveis e biplanos. O excelente blog do Conselho SteamPunk de São Paulo resenhou essa história em quadrinhos e ainda trouxe um extra: a imagem não aproveitada do líder Decepticon Megatron que iria adotar o visual de um canhão gigante, ao estilo do Columbiad de Verne.

O outro diário de Farmer

Em um de seus livros, Farmer dedicou-se exclusivamente a trabalhar com uma obra de Jules Verne. The other log of Phileas Fogg (de 1973, publicado no Brasil pela Francisco Alves em 1987 como O diário de bordo de Phileas Fogg) descreve os bastidores de Le tour du monde en quatre-vingts jours, criada exatamente um século antes pelo pai da Ficção Científica. Focando o protagonista daquela aventura e seu ajudante, Passepartout, Farmer buscou uma explicação alienígena para os propósitos daquele tour pelo mundo e para o comportamento exótico dos personagens originais, agora metidos em uma trama de rivalidade ancestral entre duas espécies extraterrestres.

Está longe de ser um dos melhores momentos de Farmer, mas enquanto nenhuma editora nacional se dispõe a publicar por aqui as biografias do Homem-Macaco e do Homem de Bronze esta é a opção mais disponível para os brasileiros interessados nos crossover malucos do autor americano.

Morre o rei dos crossovers

Esta Quarta-Feira de Cinzas foi um dia triste para fãs de Ficção Científica. Morreu aos 91 anos um dos mestres do gênero. Philip José Farmer, autor consagrado com as maiores honrarias dedicadas a essa vertente da literatura, os prêmios Hugo e Nebula, faleceu em sua casa, em Illinois, EUA, enquanto dormia.

Pioneiro em acrescentar descrições sexuais a uma FC quase sempre marcada pela aura de puritanismo juvenil, Farmer foi ainda um precursor de um subgênero muito importante para a noveleta que dá título a este blog. Foi ele o criador do conceito de Wold Newton Family: partindo de um evento real, a queda de um meteorito em uma cidadezinha da Inglaterra, em 1795, o escritor explicou a origem dos dotes fantásticos de vários personagens da literatura popular e aventurescas, entre eles alguns criados pelo nosso inspirador em comum, Jules Verne.

Heróis, antiheróis e vilões como Sherlock Holmes, Moriarty, Capitão Nemo, Doc Savage, Tarzan, Fu Manchu, Pimpinela Escarlate, entre outros, seriam descendentes diretos de pessoas que foram afetadas pela radiação alienígena daquela pedra espacial. Essa seria a origem secreta por trás de tantos supergênios e superatletas que surgiram na literatura entre o século XIX e XX.

A ideia foi trabalhada por Farmer basicamente em dois livros, nos quais ele biografou personagens como se fossem pessoas reais: Tarzan alive, de 1972, e Doc Savage: his apocalyptic life, lançado no ano seguinte. Mais tarde, o conceito foi ampliado por uma legião de fãs e admiradores de sua obra, atingindo o status de Wold Newton Universe por abranger uma gama impressionante de criações não mais apenas literárias (há personagens de inúmeras mídias, como cinema, TV, quadrinhos, teatro até música) de todas as partes do mundo. Eles coexistem em intercruzamentos jamais imaginados por seus criadores originais.

Não haveria "Cidade Phantástica" se não fosse Philip José Farmer. Assim como talvez não houvesse a Liga Extraordinária de Alan Moore e o Planetary de Warren Ellis. Um muito obrigado por tudo.

25.2.09

Carnaval: Verne na Sapucaí 5

Por uma diferença de mísero 0,7 ponto, a escola de samba União da Ilha do Governador que escolheu a obra de Jules Verne para o desfile deste ano foi considerada a campeã do Grupo de Acesso A do Carnaval carioca. Isso quer dizer que em 2010, após passar oito anos longe do grupo especial, ela volta à elite da Marquês de Sapucaí.

Uma bela notícia para os fãs do escritor mais traduzido do mundo, que acaba de ganhar uma divulgação em escala planetária com mais esta homenagem. Fica a torcida para que toda essa agitação em torno do seu nome e dos seus livros acabe incentivando o surgimento de novos leitores. Abaixo, o resultado da apuração:

1 – União da Ilha do Governador (239,9 pontos)
2 – Renascer de Jacarepaguá (239,2 pontos)
3 – Acadêmicos da Rocinha (239 pontos)
4 – São Clemente (238,5 pontos)
5 – Estácio de Sá (238,1 pontos)
6 – Santa Cruz (237,8 pontos)
7 – Paraíso do Tuiuti (236,8 pontos)
8 – Império da Tijuca (236,3 pontos)

24.2.09

Steampunk made in Brazil (in English)

E atenção para uma ótima notícia. O escritor, jornalista, editor, tradutor, professor, blogueiro e longa lista afim (além de beta reader do "Cidade Phatástica") Fábio Fernandes abriu mais uma vereda para os autores nacionais interessados neste instigante subgênero da FC que é o steampunk.

No último dia 23 de fevereiro, em pleno feriado de Carnaval, este carioca residente em São Paulo, que já havia sido lido em Portugal e na Romênia, publicou seu primeiro conto no mais que concorrido e exigente mercado americano. Para ser exato, ele emplacou a flash fiction do dia (categoria de textos com até mil palavras) no site Everyday Weirdness. O conto foi batizado The Boulton-Watt-Frankenstein Company, mesmo nome da empresa que, ao reunir em uma parceria os empresários reais Mattew Boulton (1728–1809) e James Watt (1736-1819) - sócios de fato no "nosso mundo" - com o fictício Viktor Frankenstein (publicado originalmente em 1818), deu origem ao ponto de divergência de um novo universo.

Sem entregar spoilers e atrapalhar o prazer da leitura, Fernandes introduz uma inovação no ano da graça de 1822 que aos poucos vai modificando a história conhecida e as relações trabalhistas, até chegar a um final apoteótico na virada do século XIX para o XX. Uma autêntica Vitoriana Alternativa movida a vapor que mistura história alternativa e ficção alternativa, portanto.

Não é a primeira vez que o autor se inspira na obra de Mary Shelley (1797-1851), a mãe da Ficção Científica, e deriva uma bifurcação para Frankenstein, ou o moderno Prometeu. Nos anos 90, para a revista especializada em RPG Dragão Brasil, ele já havia escrito um impressionante conto chamado "Para nunca mais ter medo" que republiquei com a autorização dele em meu outro blog. Em seu novo trabalho, agora escrito diretamente em inglês, Fábio Fernandes mostrou que aquela história de quase 200 anos ainda tem vitalidade o suficiente para novas interpretações. Com isso, ele ainda mostrou o caminho das pedras para que outros escritores brasileiros também se aventurem em novas praças.


22.2.09

Pausa para o reclame


Agora é oficial e a divulgação foi liberada pela editora: em março um dos contos criados originalmente para um outro blog que administro vai ser publicado em uma coletânea que reúne novos nomes da ficção fantástica nacional. Não é qualquer conto, é justamente o que deu origem a série dos Terroristas da Conspiração, "A teoria na prática", agora em uma versão revisada e ligeiramente modificada. Assim como não é qualquer coletânea, é o número de estreia de Paradigmas uma publicação da Tarja que pretende inovar em forma e conteúdo o trio ficção científica, fantasia e horror em nosso país.

Nesta primeira edição, estarei acompanhado de uma dúzia de outros escritores, alguns deles já publicados naquele meu blog, como os leitores podem conferir na lista abaixo (nos nomes em negrito):

Ana Cristina Rodrigues
Bruno Cobbi
Camila Fernandes
Cristina Lasaitis
Eric Novello
Jacques Barcia
Leonardo Pezzella
M. D. Amado
Maria Helena Bandeira
Osiris Reis
Richard Diegues
Roberta Nunes

A capa reproduzida acima é de autoria de uma destas escritoras, que também assina a revisão dos textos e é beta reader do "Cidade Phantástica", Camila Fernandes, aka Mila F.

Falta apenas definir a data e o local do lançamento. Assim que tiver os detalhes, eu conto.

Meio século atrás, na Tchecoslováquia...

...um diretor de cinema chamado Karel Zeman lançava uma pequena obra-prima inspirada no trabalho de Jules Verne (ou Julia Vernea, na adaptação feita naquele país, assim como é Júlio o primeiro nome do escritor para muitos lusófonos).

Vynález zkázy é o nome original da adaptação cinematográfica, mas ela também pode ser encontrada pelos pelos títulos em inglês, The fabulous world of Jules Verne ou ainda A deadly invention. Em cerca de 80 minutos, o filme oferece um espetáculo visual em preto e branco: muito antes da existência das técnicas de computação gráfica a equipe se valeu de uma série de montagens e fusões com base em ilustrações de diversos livros do autor francês.

O resultado é um mundo totalmente alterado pelas invenções visionárias de Verne. Seja no céu, com vários balões ou o engenho voador Albatros (de Robur, o Conquistador); na terra, com locomotivas exóticas e o enorme Columbiad (Da Terra à Lua); ou no mar, com batalhas de versões do Nautilus (Vinte mil léguas sugmarinas) a diversão para os fãs dessas e outras obras é garantida.

De acordo com o IMDB esta é a lista parcial do elenco do filme, escrito por Frantisek Hrubín:

Lubor Tokos - Simon Hart
Arnost Navrátil - Professor Roch
Frantisek Slégr - Kapitán Pirátu
Jana Zatloukalov - Jana

Quem estiver interessado em conferir este pequeno clássico quase esquecido, pode dar uma passada no Youtube, onde o filme foi dividido em oito partes a partir deste primeiro segmento. Garanto que vale muito a pena mesmo para quem, assim como eu, não entender nada do que esteja sendo falado.

A dica partiu de um dos beta readers de "Cidade Phantástica" e, se tudo der certo, um dos escritores que vai dividir comigo o espaço de uma futura coletânea steampunk, Alexandre Soares (valeu, Lancaster! Garantiu meu divertimento no sabadão de Carnaval!)

20.2.09

Carnaval: Verne na Sapucaí 4

O samba enredo, de autoria de Gugu das Candongas, Léo da Ilha, Sardinha, Rafael Bronze e Marcinho:

Vou viajar!
Não tem distância que vá me segurar
Eu vou chegar a qualquer lugar
Com Julio Verne você pode imaginar
Sou essa máquina engrenada na folia
Vou levando alegria pro mundo inteiro
Da Terra eu vou pro céu
Do céu eu vou pro mar
Num delírio aventureiro!

Além do infinito, eu vou desvendar
O centro da Terra, no fundo do mar
Na grande floresta do imperador
O desconhecido me encantou

O Brasil! Se ligou na sua história
De um livro de sonhos, as asas da glória
O brasileiro inspirado por ti
Voando, conquista Paris
Tocando o Céu, bem no alto iluminado
No Corcovado recebe feliz!
De braços abertos, o meu Redentor
Vai abençoando, você que chegou
A mãe natureza, se sente orgulhosa
Cidade maravilhosa!

É nessa que eu vou embarcar
É preciso sonhar... Chegou a Ilha!
De azul, vermelho e branco pintei meu carnaval
Do meu Rio sou cartão postal!

Carnaval: Verne na Sapucaí 3

E o próprio pai da Ficção Científica vai estar representado em uma escultura em sua viagem pelo Carnaval brasileiro...

Carnaval: Verne na Sapucaí 2

Pelas imagens divulgadas em sua página na internet, a União da Ilha também se inspirou no livro Da Terra à Lua.

(Atualização: como deu pau no site deles, recorri a uma fonte alternativa)

Carnaval: Verne na Sapucaí 1

Esta nem a imaginação do próprio Verne foi suficiente para antecipar: com o enredo "Viajar é preciso!" a União da Ilha vai levar o escritor francês para o desfile da Sapucaí, neste sábado, dia 21. Sexta agremiação a se apresentar na avenida este ano, a escola de samba carioca divulgou em seu site detalhes da história que planeja contar neste Carnaval.

Segue abaixo o enredo, de autoria de Jack Vasconcelos. Notem as referências a várias obras do pai da ficção científica, como o livro A jangada, que se passa no rio Amazonas; à amizade com o Imperador D. Pedro II, com quem trocou correspondência ao longo dos anos; e à inspiração que suas aventuras teriam provocado em Santos Dumont:

Em 1863, um pequeno livro aparece nas prateleiras das livrarias francesas contando uma incrível história sobre três viajantes pelo mundo. Era no brilhante século dezenove, embalado pelo otimismo da revolução industrial, que o autor daquele pequeno passaporte literário chamado Júlio Verne bebia inspiração para seus visionários romances; entusiasmado com a expansão científica da época que viu nascer a fotografia, o cinema, o automóvel e a eletricidade, enchendo suas obras de inovações inimagináveis. Sua mente era uma máquina criativa que fabricava traquitanas e engenhocas maravilhosas, antecipando o futuro, profetizando acontecimentos e idéias, fascinando várias gerações de leitores.
Numa época de exploração e conquista européia do globo, a geografia era uma ciência das mais efervescentes. Único escritor cujas histórias passaram por praticamente toda a Terra, Júlio Verne transportou os leitores para as mais exóticas paisagens numa gigantesca odisséia geográfica sem excluir qualquer continente. Deu várias voltas ao mundo fazendo os leitores embrenharem-se pelo mar, ou pela terra, em busca de experiências ousadas por lugares que ainda, literalmente, não estavam no mapa; conhecendo povos dos quatro cantos do mundo, pois, as diversidades étnicas e culturais do planeta constroem o mosaico romântico de seus livros.
A fantasia sem limites fez chegar ao fim do mundo, e até fora dele, descobrir a origem do universo (e o seu fim) além das cartas geográficas: viajando ao redor do planeta e vislumbrar o infinito cósmico alçado à atmosfera por um canhão; entrando em um vulcão para uma expedição subterrânea pelas entranhas do planeta até a região onde pulsa o coração da Terra e descobrir a existência de mares, florestas, animais e homens pré-históricos; mergulhando pelas profundezas dos oceanos com seres abissais e criaturas marinhas de aspectos monstruosos; ou se aventurando pelo rio Amazonas em meio à natureza selvagem, índios, febres delirantes e lendas da floresta amazônica navegando em uma aldeia flutuante nas terras de seu colega, o imperador da selva D. Pedro II, que era mais conhecido por suas viagens pelo mundo e interesse cultural-científico do que pela política.
E, se o Brasil inspirou a história de Júlio Verne, ele também inspirou a história do Brasil, pois a própria conquista dos ares pelo brasileiro Alberto Santos Dumont se deve, em grande parte, à sua relação com os livros de Verne. O mineiro afirmava ter sido influenciado pelas aventuras criadas pela imaginação do escritor francês, lendo as histórias fantásticas com as máquinas voadoras que tanto o levaram a sonhar na infância. Em Paris tornou-se inventor e projetista de traquitanas e motores, enveredou pelo balonismo e transformou-se em celebridade com seus vôos dirigidos, suas novidades mecânicas, suas experiências públicas e provou que o homem podia voar com um aparelho mais pesado que o ar ao colocar o 14 Bis nos céus do campo de Bagatelle. O brasileiro mais famoso em seu tempo, monsieur Dumont ditou a moda masculina na capital mundial da moda, brinquedos foram feitos reproduzindo seus balões e as crianças pediam doces com a imagem do inventor e de suas criações nas confeitarias. Quando já era quase visto como um dos personagens de Verne, ficou amigo do escritor e, juntos, ajudaram a fundar o Aeroclube da França.
Hoje, Alberto Santos Dumont (considerado o pai da aviação, Patrono da Aeronáutica e da Força Aérea Brasileira) dá nome ao aeroporto do Estado do Rio de Janeiro. Um cartão-postal do Brasil às margens da Baía de Guanabara, aos pés do Pão-de-Açúcar e abençoado pelo Redentor, uma das maravilhas do mundo moderno, que, do alto do Corcovado, recebe de braços abertos a todos os que chegam a Cidade das Maravilhas: uma terra que a todos seduz com seu sol, sua natureza, seu carnaval e sua vocação para a felicidade, um ninho de sonho e de luz.
A cidade maravilhosa dos embarques e desembarques na Ilha do Governador, pois, pelos mares e ares insulanos sopram os ventos da aventura que impulsionam a quem parte e acariciam o rosto de quem chega, mas isso já são outras histórias.

11.2.09

O Rio por Leuzinger 7


O próprio Georges Leuzinger aparece aqui, à esquerda, com amigos em frente do porto da cidade

O Rio por Leuzinger 6


Vista do Hotel dos Turistas, no Catete

O Rio por Leuzinger 5



Lagoa Rodrigo de Freitas com o Morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea ao fundo

O Rio por Leuzinger 4



A Pedra de Itapuca, vista a partir de Niterói

O Rio por Leuzinger 3





Chafariz do Mestre Valentim, Igreja do Carmo e Capela Imperial, onde atualmente é a Praça 15 de Novembro

O Rio por Leuzinger 2




O Dedo de Deus, na Serra dos Órgãos, aproximadamente em 1866

O Rio por Leuzinger

Como era o Rio de Janeiro real na época em que se passa a noveleta "Cidade Pantástica"? Graças à documentação de um pioneiro da fotografia temos uma resposta na forma de imagens, como a que vemos neste post, do Centro da cidade, provavelmente no ano de 1865.

A autoria é do suiço - da cidade de Mollis - Georges Leuzinger (1813-92), que aportou na Capital do Império em 1832. Mesmo com poucos recursos financeiros e sem dominar nossa língua, ele fundou um dos maiores estabelecimentos de impressão e artes gráficas do Brasil no século XIX, a Casa Leuzinger. A empresa, além de produzir as imagens feitas pelo proprietário, comercializou o trabalho de outros fotógrafos da época, como Albert Frisch que documentou a região amazônica.

Apenas duas décadas depois da invenção da daguerreotipia, Lauzinger já se dedicava ao registro iconográfico de São Sebastião do Rio de Janeiro e arredores. O acervo deste autêntico exemplar de homem vitoriano foi, felizmente, preservado. O Instituto Moreira Salles adquiriu o material produzido por ele e já promoveu algumas mostras da obra, com registros de panoramas e paisagens do Rio, de Niterói, da Serra dos Órgãos, Teresópolis e Petrópolis, fotos de documentação botânica, entre outras preciosidades da segunda metade do século XIX.

10.2.09

Presidente Verne

Ainda para comemorar o aniversário do escritor que inspirou a noveleta e este blog denominados Cidade Phantástica, deixo os eventuais leitores com o trecho de uma resenha que escrevi originalmente para o site Omelete.

O que aconteceria se ao invés de se tornar escritor de livros de aventura um dos pais da ficção científica entrasse para o mundo da política? Mais que isso, e se Jules Verne – ou Júlio Verne, para quem prefere aportuguesar o nome de vultos históricos – chegasse ao topo dessa outra carreira e fosse eleito, em 1886, o primeiro presidente da França? Caso continuasse apenas com tal linha de pensamento, o escritor, designer e professor universitário carioca Octavio Aragão teria escrito um livro de um subgênero daquela mesma ficção científica que Verne ajudou a dar à luz. A história alternativa, que é marcado por descrever como seria o mundo se alguns eventos históricos ocorressem de modo diferente do que aprendemos na escola. Porém, o autor foi além e em seu primeiro romance solo, A mão que cria, ele não trata apenas do criador de personagens como o Capitão Nemo e Phileas Fogg. Aragão também deu nova vida às criaturas, e, com isso, o gênero explorado foi outro: a chamada ficção alternativa, a verdadeira arte de domar os personagens alheios.


Vale lembrar que o nome do protagonista de "Cidade Phantástica" não é João Octavio Ribeiro à toa. Foi minha homenagem pessoal a um dos precursores do steampunk e da ficção alternativa no Brasil. Quanto ao Ribeiro, no nome do personagem, também é outra citação. Mas isso fica para um próximo post. Uma entrevista com Octavio Aragão também está disponível naquela página e pode ser lida aqui.

Feliz aniversário, Monsieur

Perdi por alguns dias a chance de dar os parabéns na data certa: no domingo último, dia 8 de fevereiro, comemoraram-se os 181 anos de nascimento de Jules Verne. O primogênito do casal Pierre Verne e Sophie Allote de la Fuÿe nasceu naquela data no ano de 1828, na cidade francesa de Nantes. Ele iniciou sua carreira literária em 1863, com a publicação de Cinq semaines en ballon, um sucesso imediato, mesmo ano em que escreveu o livro que, até este momento, foi o último a ser publicado, Paris au XXe siècle, que só ganhou o papel em 1989. No meio do caminho, tornou-se aquele que é considerado pela Unesco como o autor mais traduzido de todos os tempos.

Para celebrar a ocasião, mesmo com meu atraso de 48 horas, deixo com vocês dois links que prestam homenagem a esse escritor fundamental para a história da ficção científica. O primeiro é o blog JVerne PT o segundo o site J Verne em Português, ambos iniciativas de camaradas lusitanos e que fazem parte da Malta listada aqui ao lado.

Boa leitura a todos.

3.2.09

Ouro nos caminhos de ferro

Em meados do século XIX eram muitas as vantagens oferecidas pelo Império para quem se dispusesse a investir na construção de ferrovias em terras brasileiras. Os empresários da época, sendo estrangeiros ou daqui, tinham à sua disposição alguns mecanismos de financiamento e de recompensa inspirados nos de outros países, que também impulsionaram a infraestrutura local com verdadeiras parcerias entre recursos públicos e privados, e contavam ainda com criações nacionais nesta área, um raro caso de inovação em gestão nos primórdios do capitalismo tupiniquim.

Entre os incentivos que importamos, estava uma incipiente política de juros, assegurada em uma legislação de 1857. O tesouro nacional garantia 7% sobre o custo estimado da construção de uma estrada de ferro, garantindo o retorno às companhias que investissem por aqui. Caso a linha operasse com prejuízo, os investidores receberiam a diferença. Se o lucro superasse os 8%, eles deveriam repartir a sobra com o Estado. Porém, na hipótese de as margens ultrapassarem os 12% por três anos, os capitalistas deveriam reduzir as taxas cobradas. O modelo de garantia de juros foi implantado pela primeira vez na Rússia.

Mas a grande contribuição brasileira para a captação de recursos neste setor foi a concessão de uma zona privilegiada de exploração para que essas companhias extraíssem dela seus rendimentos. Por um prazo de até 90 anos, o investidor deteria o monopólio de uma área de terra vizinha à ferrovia em que trabalhasse, nada menos que cinco léguas (algo como trinta quilômetros) no sentido de cada lado do eixo da linha.

Nesses terrenos não passariam nenhuma outra estrada para concorrer com a pioneira da região, por exemplo. E muito mais que isso: o dono do investimento teria o privilégio de usar tudo o que encontrasse pela frente, sejam madeiras das matas derrubadas, desapropriação de áreas ocupadas por minas de carvão, areia ou pedreiras. Um outro fator poderia contribuir para a criação de fortunas da noite para o dia, pois as empresas também levavam a autorização para lavrar e aproveitar minas de pedras preciosas, ouro ou qualquer outro tipo de metais que fossem descobertas nas análises preliminares ou nos trabalhos definitivos dos caminhos de ferro.

Não seria, portanto, difícil de imaginar algum estrangeiro que, atraído por tantas possibilidades de bons negócios, começasse uma carreira de empresário de ferrovias e terminasse por se tornar o Rei do Ouro no Brasil.