2.7.11

As filhas de Mary

A editora Estronho deixou à disposição dos leitores um arquivo de degustação com 23 páginas de sua próxima coletânea movida a vapor: a primeira dedicada exclusivamente a nossas escritoras, Steampink. Além de poder conferir a qualidade gráfica que M.D. Amado sempre dedica aos livros que publica, é a oportunidade de conferir o conto "O Terceiro Reinado", de Georgette Silen, que imagina a continuidade da monarquia em nosso país com a chegada de Isabel ao trono e se tornando Imperatriz do Brasil. Uma outra atração do PDF - que pode ser baixado aqui, basta clicar na capa do livro - é a mesma que posto abaixo, o prefácio que tive o prazer de escrever para uma obra que é verdadeiramente inovadora. Boa leitura, bom final de semana a todos.



A ficção científica é um gênero de poucos consensos e de muita especulação. Mesmo para definir quem seria o pai da FC, existe debate eterno de um lado entre os que acreditam ter sido Jules Verne (1828 – 1905) e do outro os partidários de H.G. Wells (1866 – 1946). Mas sempre há também a intervenção daqueles que, como eu, defendem ser mais correto falar em uma mãe para tal forma literária: Mary Shelley (1797 – 1851). Se não podemos ter consenso ao menos nisso, que ele seja cobrado no reconhecimento da importância que as mulheres têm para a literatura de gênero fantástico como um todo, tanto em termos artísticos quanto no apelo popular. Isso vale desde para pioneiras, como Ursula K. Le Guin e Marion Zimmer Bradley (1930 – 1999), chegando até para campeãs de venda mais recentes, a exemplo de Anne Rice e J.K. Rowling. Quanto ao subgênero específico desta coletânea em suas mãos, como esquecer que o livro steampunk mais badalado e premiado dos últimos tempos, Boneshaker, é obra de uma autora: Cherie Priest?

Por isso mesmo estava difícil entender o porquê de a literatura retrofuturista brasileira, cujo crescimento chama atenção até mesmo no exterior, ainda não contar com escritoras presentes nas páginas das coletâneas publicadas no país desde 2009. Seja pela qualidade de nossas autoras, seja pela ampla participação feminina em eventos steamers de Norte a Sul do Brasil, tal distorção em nosso mercado editorial era bastante evidente e ainda aguardava a vez para ser reparada. Coube à editora Estronho o pioneirismo de abrir espaço nobre para que nossas damas do vapor mostrassem suas histórias aqui mesmo, em Steampink, a primeira antologia exclusivamente produzida por elas.

Tirando o dono da casa editorial e diagramador do livro, M. D. Amado, e este prefaciador que lhes escreve, as páginas a seguir são de inteira responsabilidade de um time de escritoras, autênticas filhas de Mary, que mostram abordagens bem particulares do século XIX reimaginado com as tintas da FC, da fantasia e do horror.

Algumas delas tenho a honra de chamar de amigas, como a organizadora do livro, Tatiana Ruiz, primeira-dama do steampunk em São Paulo e que aqui nos apresenta sua versão vaporizada de um clássico conto de fadas; Lidia Zuin, musa steamer, com daguerreótipo impresso na contracapa, autora de uma história com amazonas do mar; e Georgete Silen, romancista e contista publicada em diversos tomos, com quem já dividi páginas antes e que adiante nos trás um Brasil governado por uma Imperatriz. Da maior parte das demais escritoras – Amanda Reznor, Bia Machado, Dana Guedes, Leona Volpe, Lívia Pereira, Lyra Collodel, Nikelen Witter, Renata Galindo Neves, This Gomes e Verônica Freitas –, até mesmo para confirmar a vocação da Estronho de sempre incentivar novos talentos, tive o prazer de conhecer a prosa delas pela primeira vez na leitura dos contos para esta obra que já vem ao mundo histórica. E aquilo que eu já tive a oportunidade de conferir – e agora cabe a você fazer o mesmo –, foram tramas envolvendo, não nesta ordem, robôs gigantes, máquinas voadoras, órgãos mecânicos, viagens no tempo, vampiras, nereidas, poetas, corvos e mais corvos. Uma seleção do melhor que o gênero capa e espartilho nacional tem a oferecer está à sua disposição em Steampink. É com esta boa companhia que deixo o leitor a partir de agora.

Romeu Martins
Comendador da Ordem da Caldeira pelo Conselho Steampunk do Brasil e autor do blog www.cidadephantastica.com.br

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